UM CONCEITO
DINÂMICO DE MISSÕES
Nem sempre o atual enfoque dado a missões preenche
todo o seu dinamismo bíblico enquanto ação da Igreja de Cristo.
Por Sebastião Lúcio Guimarães
Nem sempre o atual enfoque dado a missões preenche
todo o seu dinamismo bíblico enquanto ação da Igreja de Cristo. Este aspecto
dinâmico da obra missionária faz com que o seu conceito esteja em constante
devir e tenha que ser redefinido a cada geração, seguindo o dinamismo da
própria obra missionária e do progresso. Ainda que o conteúdo da mensagem
missionária não mude, nossos conceitos precisam ser ampliados de acordo com as
novas compreensões e aplicações dos princípios bíblicos da missão, feita em
diferentes momentos históricos e em diferentes contextos.
A teologia elabora conceitos e abordagens à luz das diferentes realidades
contextuais e humanas, bem como de acordo com os avanços da técnica, da
linguagem e da cultura geral. Nisto está o principio hermenêutico que nos
ensina a ler o texto bíblico de modo a poder aplicá-lo nas situações reais de
cada momento e contexto. Novos tempos exigem novas abordagens conceituais, bem
como novas atitudes estratégicas e metodológicas. E a missiologia não foge a
esta regra básica. Aí está o conceito de missões, em seu sentido de tarefa da
igreja no plano estratégico de Deus para a salvação do homem.
A Igreja, Corpo de Cristo presente no mundo após a ascensão de Jesus, recebe a
tarefa de anunciar a salvação para todos os povos através da história. Para a
tarefa aconteça é preciso usar todos os recursos humanos disponíveis e
possíveis, sob a unção e capacitação do Espírito Santo. Neste conceito está
incluída a Missão de Deus (Missio Dei) e a Missão da Igreja (Missio Ecclesie),
que se complementam em termos de conceito e prática, de anúncio e de obra, de
teoria e de práxis, na missiologia e na obra missionária, de teologias
exegética e prática. Estas dimensões distintas da tarefa missionária se resumem
na consciência de que missões é a igreja movendo-se em direção ao mundo com um
propósito definido.
Missões exige movimento, disposição e envolvimento. Deus não deseja nenhum dos
seus filhos passivos diante do eminente perigo que corre a humanidade sem
Cristo. Deus tomou a iniciativa para transformar a história humana através de
Jesus Cristo. Ao cristão comprometido com Deus e com a obra dEle não é possível
acomodar-se. Até onde podemos permitir que a insensibilidade diante das
necessidades humanas à nossa volta nos faça desobedecer ao Mestre? Somos
chamados por Deus a nos envolver. Não podemos esquecer do fato de que todos os
cristãos são chamados: uns para sair, outros para ficar. A figura de uma pessoa
que desce ao poço, mas que precisa daqueles que ficam fora do poço, sustentando
as cordas, ilustra bem esta realidade.
Ainda que o conceito básico de missões seja o de enviar uma pessoa, esta ação é
cheia de significado pelo fato de ter um propósito definido. Esta lição
objetiva nos é dada pelo próprio Deus, quando envia o seu Filho ao mundo. Jesus
não foi simplesmente enviado, mas tinha um propósito definido: “buscar e salvar
o que se havia perdido” (Lucas 19.10). Da mesma forma, os apóstolos de Jesus,
bem como a sua igreja, não foram simplesmente enviados ao mundo, mas enviados
com um propósito tríplice: fazer discípulos, batizar e ensinar (Mateus
28.19,20). A obra missionária que não se imbui desta objetividade está fadada a
falhar, pois o missionário não é aquele que simplesmente é enviado a algum
lugar por alguém. Seu envio deve cumprir o propósito objetivo dado à igreja de
Cristo, em geral, e à testemunha de Cristo, em particular. Esta tarefa objetiva
se torna não somente a base da obra missionária, mas também a sua razão de ser.
A tarefa objetiva de pregar o Evangelho é dada, exclusivamente, para a Igreja.
Nenhuma outra instituição, divina ou humana, recebeu do Senhor esta tarefa
específica.
A missão da igreja precisa estar vinculada às atividades que dizem respeito ao
Reino de Deus, seu estabelecimento e expansão no mundo. São necessárias ações
concretas, em práticas estrategicamente definidas. Os que são enviados para
cumprir a tarefa da igreja nos campos missionários precisam ser equipados com
as ferramentas básicas para a obra. Assim se faz necessário o treinamento daqueles
que são enviados aos campos, para preencherem os reclames da obra missionária
da igreja no mundo. Somente quando o missionário sai com uma consciência clara
e definida daquilo que pode e deve realizar no campo ele pode realmente
envolver-se na obra de maneira específica e prática. Missionários que vão ou
são enviados sem objetividade no seu trabalho estarão sempre fadados a não
saber o que fazer no campo.
A dinâmica da Missão começa no seu próprio conceito bíblico. Não existe missão
sem a ideia de movimento. É preciso incomodar-se. O ato de enviar ou ser
enviado não precisa necessariamente cobrir grande extensão geográfica, mas sair
de um lugar para outro, podendo ser tanto da sua casa para a casa do seu
vizinho, quanto da sua casa para o outro lado do mundo. A comissão é a mesma. A
verdade é que, se ouvimos sobre o desafio da missão, não podemos continuar os
mesmos, nem no mesmo lugar. A Missão sempre reclama uma atitude de
movimentar-se, de incomodar-se, de mexer-se, de sair de onde estamos para alcançarmos
os outros e, a partir daí, chegarmos os confins da Terra levando a mensagem de
salvação no nome precioso de Jesus. Sem isto não pode haver missões.
A REFORMA E MISSÕES
Por Ronaldo A. Lidório,
Teólogo, mestrado em missiologia e doutorado em antropologia cultural na
Universidade de Londres
A Presença da Igreja como agente de expansão da Palavra pregada
A Presença da Igreja como agente de expansão da Palavra pregada
A Reforma Protestante desencadeada com as 95 teses de Lutero divulgadas em 31
de outubro de 1517 foi sobretudo eclesiástica em um momento em que todos os
olhares se voltavam para a reestruturação daquilo que a Igreja cria e vivia.
Renasceram assim os dogmas evangélicos. A Sola Scriptura defendia uma Igreja
centrada nas Escrituras, Palavra de Deus; a Sola Gratia reconhecia a salvação e
vida cristã fundamentadas na Graça do Senhor e não nas obras humanas; a Sola
Fide evocava a fé e o compromisso de fidelidade com o Senhor Jesus; a Solus
Christus anunciava que o próprio Cristo estava construindo sua Igreja na terra
sendo seu único Senhor e a Soli Deo Gloria enfatizava que a finalidade maior da
Igreja era glorificar a Deus.
A Missão da Igreja, sua Vox Clamantis, não fez parte dos temas defendidos e
pregados na Reforma Protestante de forma direta. Isto por um motivo óbvio: os
reformadores como Lutero, Calvino e Zuínglio possuíam em suas mãos o grande
desafio de reconduzir a Igreja à Palavra de Deus e assim todos os escritos
foram revestidos por uma forte convicção eclesiológica e sem uma preocupação
imediata com a missiologia. Isto não dilui, entretanto, a profunda ligação
entre a Reforma e a obra missionária por alguns motivos:
a) A Reforma levou a Igreja a crer que o curso de sua vida e razão de existir
deveriam ser conduzidos pela Palavra de Deus (submetendo o próprio sacerdócio a
este crivo bíblico) e foi justamente esta ênfase escriturística que despertou
Lutero para a tradução da Palavra na língua do povo e inspirou posteriormente
centenas de traduções populares em diversos idiomas fomentando posteriormente
movimentos como a Wycliffe Bible Translators com a visão da tradução das
Escrituras para todas as línguas entre todos os povos da terra. Hoje contamos com
a Palavra do Senhor traduzida para 2.212 línguas vivas. João Calvino enfatizava
que “... onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida em toda a sua
pureza... não há dúvida de que existe uma Igreja de Deus ”. O grande esforço
missionário para a tradução bíblica resulta diretamente dos ensinos reformados.
b) A Reforma reavivou o culto onde todos os salvos, e não apenas o sacerdote,
louvavam e buscavam a Deus. E Lutero em uma de suas primeiras atitudes colocou
em linguagem comum os hinos entoados nos cultos. Esta convicção de que é
possível ao homem comum louvar a Deus incorporou na Igreja pós-Reforma o
pensamento multiétnico onde “o desejo de levar o culto a todos os homens” como
disse Zuínglio não demorou a ressoar na Igreja culminando com o envio de
missionários para o Ceilão pela Igreja Reformada holandesa no século XVII, que
disparou um progressivo envio missionário e expansão da fé Cristã nos séculos
que viriam. Um culto vivo ao Deus vivo foi um dos pressupostos reformados que
induziu a obra missionária a levar este culto a todos os homens transpondo
barreiras linguísticas, culturais e geográficas.
c) A Reforma trouxe a Glória de Deus como motivo de vida da Igreja e isto
definiu o curso de todo o movimento missionário pós-Reforma onde o estandarte
de Cristo, e não da Igreja, era levado com a Palavra proclamada entre outros
povos. Os morávios já testificavam isto quando o conde Zinzendorf, ao ser
questionado sobre seu real motivo para tão expressivo e sacrificial movimento
missionário, responde: “estou indo buscar para o Cordeiro o galardão do seu
sacrifício”. John Knox na segunda metade do século XVI escreveu que a Genebra
de Calvino era “a mais perfeita escola de Cristo que jamais houve na terra
desde a época dos apóstolos”. O centro das atenções, portanto era Cristo e
nascia ali um modelo cristocêntrico de pregação do evangelho que marcaria o
curso da história missionária nos séculos posteriores.
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